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  • Em alguns dias, o conflito entre Rússia e Ucrânia, que começou como uma “ação relâmpago” para ocupar o território ucraniano, completará um ano e meio, ainda sem previsão para acabar. 

    A ofensiva russa encontrou uma resistência inesperada no lado ucraniano e se arrasta até hoje com milhares de baixas em ambos os lados e um efeito devastador na economia global.

    Crise de refugiados, elevação dos índices de inflação, insegurança alimentar e mudanças drásticas no comércio internacional de commodities e insumos são alguns dos impactos que afetaram praticamente todas as economias direta ou indiretamente. 

    A questão energética e de grãos gerou um efeito em cascata de aumento de preços, sentidos principalmente na África Oriental por sua dependência dos alimentos exportados pelos dois países em guerra, e na Europa, por sua proximidade geográfica e por ter a Rússia como sua principal fornecedora de energia e gás natural, afetando consequentemente todos os demais países ligados ao bloco.

    O otimismo recuperado com o acordo de grãos assinado em julho do ano passado, que permitia as exportações de alimentos da Ucrânia via Mar Negro, agora vira preocupação com a sua recente suspensão pela Rússia, que não renovou o acordo expirado no último mês.

    De acordo com o Relatório de Riscos Globais para Negócios da Dun & Bradstreet  para o segundo semestre de 2023, a guerra ainda é um dos principais fatores de riscos para os negócios mundiais, mas agora assumindo novas características e trazendo novos fatores para a mesa. 

    Um ano e meio depois, o que mudou no conflito e no mundo? 

    Quais são os novos – e velhos riscos que afetam a economia e consequentemente as organizações? 

    Como se encontra a guerra nesse momento?

    De acordo com especialistas, o conflito evoluiu para uma “guerra de desgaste” com a estratégia de enfraquecer aos poucos os recursos humanos e militares do inimigo, em um ponto de inflexão também nas relações internacionais.

    O que está em jogo neste momento é um confronto entre duas propostas de relações internacionais, o embate de russos contra ucranianos é parte de disputa maior entre dois blocos de nações por hegemonia: a manutenção do status quo norte-americano versus a emergência de novos polos de poder e de comércio, que inclui fundamentalmente China, Rússia, Índia e países da América do Sul e da África. 

    Nesse momento há pressões cada vez maiores sobre os países que agora procuram adotar uma neutralidade estratégica para garantir interesses nacionais ou regionais, fortalecendo suas empresas dos impactos da guerra. Porém, não será fácil sustentar esse posicionamento em um mundo que está em conflito. 

    As empresas, enquanto isso, se veem paralisadas aguardando um posicionamento que pode ou não comprometer suas relações de comércio e abastecimento via outros países, prejudicando investimentos e crescimento dos negócios e da economia.

    Já no campo de batalha, a guerra se espalha pelo Mar Negro com recentes ataques de drones marítimos a navios russos desde a revogação do acordo de grãos em 17 de julho. 

    O acordo havia reduzido bastante a atividade naval do conflito, que agora reassume uma frente militar importante para os dois lados. Tanto Moscow quanto Kiev declararam o Mar Negro bloqueado, ambos considerando qualquer navio suspeito de transporte militar.

    Esse movimento na zona de combate por sua vez foi sentido com muita preocupação no mundo econômico.

    Fim do acordo de grãos e seus impactos

    A chamada Iniciativa de Grãos do Mar Negro assinada em julho de 2022, mediada pela ONU e pela Turquia, permitiu à Ucrânia retomar grande parte de suas exportações de grãos, por navios de carga ao longo de um corredor seguro com acesso aos portos ucranianos de Odesa, Chornomorsk e Yuzhny/Pivdennyi, através do Mar Negro.

    Desde então, a Ucrânia exportou cerca de 32 milhões de toneladas de alimentos, ajudando a fornecer grãos para 45 países em três continentes, incluindo Afeganistão, Sudão, Djibouti, Etiópia, Quênia, Somália e Iêmen, castigados pela insegurança alimentar.

    Os preços mundiais dos alimentos caíram cerca de 20%, de acordo com a agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO), gerando otimismo e uma breve recuperação da economia global durante alguns meses de vigência do acordo.

    Chegando ao final de sua terceira renovação agora em julho deste ano, já era esperado que a Rússia pulasse fora com sinais de insatisfação dados por Vladmir Putin que dizia não estar vendo benefícios na contrapartida do acordo para seu país – apesar dos apelos sistemáticos da ONU e agências de ajuda humanitária para que continuasse.

    Logo após o anúncio da decisão no dia 17, os preços do trigo e do milho nos mercados globais de commodities já tiveram alta, sinalizando a disparada dos preços globais de alimentos esperada pela comunidade internacional com o fim do acordo. 

    Isso significa mais peso para as comunidades vulneráveis ​​que já lutam contra a fome e que enfrentam o que a ONU descreve como uma emergência alimentar “catastrófica”, abalada ainda pelo Covid, eventos climáticos extremos e altos preços dos combustíveis. 

    Significa também um novo estrangulamento das cadeias de suprimentos, dos financiamentos e uma contínua volatilidade para os negócios, que já sofrem com incertezas desde a pandemia. Com os suprimentos altos, a demanda baixa, à medida que a economia desacelera, os temores de recessão se instalam.

    Assim como uma escalada da guerra.

    O que esperar para o futuro?

    Aquela expectativa internacional de um breve conflito que havia em fevereiro de 2022 já se transformou em uma visão ajustada de uma guerra de longo prazo, cuja probabilidade de encerramento próximo é muito baixa.

    Nas conversas sobre paz, tanto a Ucrânia quanto a Rússia mostraram que não irão à mesa de negociações sem certas pré-condições. Kiev diz que não concederá nenhum território e é muito difícil que Putin recue sem a anexação de partes que fazem fronteira com a Rússia.

    A guerra está longe do fim e ainda há muitas possibilidades de escaladas. Pesquisadores e cientistas políticos afirmam que a Rússia ainda nem usou a parte mais sofisticada de seus aviões e tanques no campo de batalha. Eles apontam que a tendência dessa guerra é estender-se por longo período, desgastando as partes até que uma delas já não tenha condições de lutar. 

    A grande preocupação nesse sentido é uma escalada que possa resultar no emprego, mais cedo ou mais tarde, de armamentos biológicos e até nucleares. Risco que por enquanto é aliviado pelos especialistas – na medida do possível. 

    Apesar das ameaças, eles confiam que a Rússia continuará adotando uma postura que até agora é considerada responsável, para evitar as grandes implicações do emprego dessas armas, como uma retaliação do ocidente e o fim inevitável do regime de Vladimir Putin.

    O risco de uma guerra pela divisão do mundo, envolvendo demais países também é uma possibilidade no radar dos observadores políticos. Os Estados Unidos e o Ocidente estão buscando evitar que países adotem posições de neutralidade ou de não alinhamento pragmático em relação ao conflito a fim de isolar China, Rússia e os demais países que as apoiam.

    O conflito também vai chegando cada vez mais perto da fronteira com a OTAN, que se decidir atuar na guerra ou permitir a entrada da Ucrânia, pode provocar uma guerra direta dos EUA com a Rússia.

    Uma possível resolução se apresenta na formação de um grupo de países neutros que negociariam com russos e ucranianos o fim do conflito no leste europeu. Países como o Vaticano e o próprio Brasil, que tem se preservado como um possível negociador.

    Em relação ao acordo de grãos é esperado que a Rússia volte a participar se suas exigências forem atendidas. “Assim que a parte russa for cumprida, retomaremos imediatamente a implementação do acordo”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

    Como as empresas podem se preparar?

    Esse cenário de desgaste também deve refletir na economia, exigindo dos negócios alta capacidade de resiliência e inovação para contornarem os efeitos da longa guerra. 

    Mesmo com um cenário pouco propenso a assumir riscos e inovações, desenvolver soluções alternativas para substituir os recursos que estão em falta ou muito caros é a melhor opção para conter os impactos causados pela desordem na cadeia de suprimentos e alta dos preços.

    Nesse sentido, avançar na estruturação de novas tecnologias cria um ambiente seguro para as indústrias testarem novas ideias e soluções, evitando falhas durante o processo produtivo. Essas medidas vão levar as indústrias a um período de modificação na estruturação, que por sua vez vai oferecer mais possibilidades aos segmentos no futuro. 

    Assim como todo momento de crise gera novas soluções.

    Diante das preocupações de uma divisão hegemônica no mundo, ampliar o mapa de comércio e recebimento de materiais para não se tornar dependente de um único país, é um caminho valioso.

    Para as possíveis escaladas do conflito, investir em dados e tecnologias que fazem o monitoramento de tendências e riscos é fundamental. Nesse ponto também é importante reforçar tanto individualmente entre os líderes, quanto culturalmente na empresa, a conscientização sobre o ambiente econômico global e os desenvolvimentos geopolíticos que impactam seus negócios. 

    Por fim, é imprescindível manter um planejamento que abranja diversos fatores e trajetos, pois muito pode mudar de acordo com o decorrer da guerra.